16/07/2009

INVERSÃO DE VALORES?

Vivemos numa época em que viver só, é um peso, as pessoas desaprenderam algumas coisas e criaram dependências que não conseguem preencher.

As gerações anteriores direcionaram o indivíduo para a procriação e a construção do núcleo familiar. Manutenção da espécie. Isso veio sofrendo alterações que retumbaram na realidade atual, em que as famílias estão em mutação, gerando novas formas de constituição.

Passar pelos rompimentos dos paradigmas e quebra das estruturas indestrutíveis veiculadas por uma sociedade hoje moderna, nos leva às novas modalidades conjugais, às famílias reconstituídas, mas esbarra na desventura da solidão.

Cresce assustadoramente a necessidade de preencher esse vazio existencial. A matéria de capa da revista Veja desta semana, “sozinhos.com?” mostra a brutal realidade: as pessoas se isolam do convívio social, optam pela reclusão que lhes conferem as relações virtuais, sejam amorosas ou de amizade. A matéria aborda a insuficiência das respostas afetivas mais profundas buscadas pelos indivíduos nessas interações, no entanto, as redes sociais aumentam na mesma proporção da solidão a que estão confinados.

Esses novos comportamentos levam à busca de procurar entender essa sede de amor que estamos desenvolvendo, sem nos darmos conta das necessidades que criamos nessas relações. A insatisfação parece não mostrar as impossibilidades existentes nessas relações precárias. Virtualmente não é possível trocar emoções, toques, sensações e vivências. São laços tênues, conseqüências de relações efêmeras, inconsistentes. Servem para maquiar o sentimento de não estar só. Preenchem, aparente e momentaneamente, o vazio da solidão.

A maior dificuldade talvez resida na resistência que oferecemos ao processo de autoconhecimento, mergulhando fundo nas nossas emoções, descobrindo-nos sem máscaras. É muito difícil construir relações de dependência afetiva. Elas machucam e não se mantêm. Não há como sustentar o que só existe no imaginário ou é fruto do desejo, nem alimentar ilusões para sempre. Só é possível compartilhar o que existe.

Se por um aspecto a evolução ganha espaço e nos permite crescer como pessoas, conquistando méritos e desenvolvendo nossos potenciais, por outro ficamos à mercê das nossas necessidades mal entendidas, gerando uma desesperada busca que acentua o quadro de pessoas solitárias, que encontram dificuldades cada vez maiores em colocar-se em silêncio interior; compreendendo que para poder relacionar-se com o outro, antes precisa estabelecer consigo mesma uma relação amigável, transitar por suas emoções compreendendo seus sentimentos.

As pessoas criaram dependências que não conseguirão preencher porque não cabe ao outro completar ninguém. O vazio é interno e particular. A “salvação”, também!

ESCONDEMOS NUM SORRISO, A DOR?

Tenho presenciado o sofrimento mudo nas pessoas, tão bem camuflado, que a surpresa diante de um choro que se rompe porque acabaram todas as forças para esconder as dores, é imensa. E quando me refiro à dor, falo daquele sentimento intenso, que não permite dúvida do quanto essa pessoa está em sofrimento. O que menos importa, são os motivos. Tudo ganha proporção individual, pois se para um o “problema” é supérfluo, para o outro representa a imobilização diante das dificuldades que não consegue superar, do sentir doído que a consome e infelicita.

Ao entrar em contato com a dor que aflige as pessoas, percebo que, se quem as olha, soubesse o que carregam no coração, assombrados veriam que mostram para todos o picadeiro de um circo no lugar onde o que existe é um vale de sombras.

O sentimento de angústia que está disfarçado no “sorriso amarelo” muitas vezes traduz um sentimento semelhante à ausência do sol em suas vidas, embora todos os dias pendurem as roupas no varal para quem passa, vê-las secando ao sol. A metáfora fala muito dessa entrega ao sentimento interno de dor, repassado com artifícios enganosos um estado de espírito e de ânimo infinitamente distante da realidade íntima. Pisar nesse palco e atuar esse script nos valendo das defesas que encontramos, por si só já demanda um gasto extra de energia no desempenho dessa representação nem sempre brilhante. Há quem perceba a fraude, mesmo que não alcance sua magnitude.

Mas isso se deve a quê? Faltam recursos para essas pessoas ultrapassarem os obstáculos que encontram? São “fracas”? Por que usam essa máscara?

Não existe uma resposta, mas nos permite levantar hipóteses consistentes, que podem levar a entendimentos satisfatórios. Primeiro, talvez fosse bom lembrarmos que não existe uma verdade única, talvez nem haja verdade e sim possibilidades de interpretação, busca de entendimento. Compreender e acolher a única maneira que essa pessoa encontrou de lidar com suas questões, sem tentar mensurar, analisar, julgar, diagnosticar, criticar, classificar ou rotular nada, é a melhor atitude para “ajudá-la”. Basta o seu sofrimento, não há mais lugar para preocupar-se com as interpretações vazias que podemos oferecer. Nossa maneira de ver uma mesma questão pode ser totalmente diferente, e não temos o direito de a impingir ao outro. Talvez nem houvesse, no momento, outra possibilidade, e o que nos sugere fraqueza pode ser exatamente a coragem da escolha valente de não se entregar, a opção de preservar pessoas amadas, a si próprio. Aliás, coragem esta que irá fortalecer a pessoa a partir da necessária ampliação da percepção no processo de conscientização que pode promover as mudanças gerando um resultado que pressupõe crescimento, evolução.

Enquanto isso ocorre, o respeito pelo outro passa pelo olhar da compaixão, da generosidade, das atitudes fraternas e pelo sentimento de solidariedade. Nem precisaríamos saber das trevas que entristecem as almas das pessoas, bastaria que lhes oferecêssemos nosso silencioso apoio. E quem sabe, dependendo do nosso envolvimento afetivo, acompanhado de um abraço acolhedor. Talvez a máscara cedesse lugar ao alívio cura-a-dor.

15/07/2009

ÀS VOLTAS COM NOSSAS EMOÇÕES

A percepção acerca da instabilidade das nossas emoções acaba por gerar intimamente sensações desagradáveis, remetem a sentimentos de tristeza, melancolia, geralmente trazendo a reboque indagações interiores cujas respostas não surgem com clareza suficiente, aumentando a angústia da incompreensão do emaranhado de emoções, embora muitas vezes sequer tenham origem definida. Já disseram que a emoção é “um coquetel de sentimentos”, porém, essa mistura não vem dosada somente para agradar, podendo travestir-se de veneno que precisa de antídoto para reverter seu mal. Intoxicar-nos desse “drinque” é consumirmo-nos nessas emoções, perdendo-nos de nosso caminho, conduzidos pelo frágil comando daquele momento indefinido, mas poderoso para desviar-nos ou nos afastar dos sentimentos opostos.

A nossa força interna desmistifica o poder aleatório que conferimos a esse conjunto de emoções danosas. Somos infinitamente superiores em força para reverter esse processo íntimo, subordinados a impermanência normal das experiências da vida, incluindo o mundo das sensações, das emoções e sentimentos que se refazem, mudam e se alteram sem roteiro estabelecido ou script que os coordene. Transitamos o tempo todo por esses estados de instabilidade emocional, restaurando sentimentos e valores. Aprendemos a crescer - a soltar, deixar ir e a reter – trocamos as lentes de ver o mundo e mudamos o panorama, convivemos com essas sensações de incompletude, de inconstância, de perda, de ganho, de achado e perdido. A polaridade dessas emoções resgata em nós a resiliência (lembram dela?) que construímos para defender nossa estrutura psíquica, de espírito e corporal.

O coquetel pode causar leve tonteira, mas encontramos a porta de saída. O gosto pode ser forte, até amargo, porém, temos o gosto doce da esperança que habita em nós, além da capacidade ímpar de revolucionar tudo e construir novos castelos sobre os escombros. A estabilidade emocional requer instrumentar-se para enfrentar as dificuldades, porém, este é um processo infinito, onde não cabe a deliberação de uma solução redentora que extermine a névoa que envolve as nossas inesperadas – e inconstantes -emoções.

02/07/2009

ESSE ILUSTRE E PODEROSO AMOR

Já percebeu como normalmente o amor responde aos nossos mais intensos anseios, e, em seu nome, praticamos atrocidades à nossa própria estima? E não satisfeitos, num voo cego debitamos na conta do amor os infortúnios que acontecem à vida, e a ele – sua falta ou forma - responsabilizamos por nosso estado de frustração, por estarmos temerosos e adoecidos.

No entanto, toda atitude que demande consciência de nossas faltas e excessos é a via que oferece possibilidades de mudança, porque essa é uma consciência crítica, aquela que faz uma leitura imparcial capaz de reconhecer onde estamos criando negativamente as ações que destroem as nossas mais belas projeções e sonhos de felicidade, e promovem soluções possíveis e desejáveis que alteram o rumo desse processo destrutivo.

Nosso coração é capaz de identificar esses pontos, mas também pode se recusar a ver alternativas ou valer-se da lamuriação que nos toma de assalto e transforma em coitadinhos, sofredores, desejosos de cuidados e mimos ao nosso lado frágil. É um engodo que alimenta as fantasias ilusórias de causadores e efeitos: alguém nos machuca, não somos nós que atraímos ou escolhemos. O amor, esse ilustre salvador de nossos estados infelizes, tem o poder transformador em nossas vidas. Nós lhe conferimos esse status. Damos-lhe esse poder. E de fato o tem, desde que encaremos a realidade: estar atentos à versão das infinitas possibilidades de que dispomos enquanto seres criativos e criadores de nossas sagas e lendas, é o único caminho libertador desse engano. E que vai nos permitir viver, em plenitude, o amor.

CRISES E CRESCIMENTO

No processo que é viver, nos deparamos com momentos dramáticos, difíceis, nos pondo em xeque a estrutura e equilíbrio emocional. As crises têm a propriedade revolucionária de desacomodar tudo para estabelecer a ordem. Algumas, uma vez desencadeadas, são inevitáveis, e prenunciam ventos fortes e tempestades no horizonte. Quando estamos no olho do furacão, todas as ocorrências nos parecem sem sentido, achamos desnecessárias ou extremadas. Porém, não tem como sobrar pedra sobre pedra num evento suficientemente mobilizador. A crise surge mansamente, sorrateira, sem aviso, ou, de maneira oposta, chega contundente, muitas vezes como uma avalanche, decompondo a estrutura já falida resultando em escombros assustadores.

Não raro enfrentamos situações que nos desafiam os limites, testam a perseverança e força de luta. Nos deparamos com vazios existenciais capazes de soterrar-nos a alma inexoravelmente. Poucas ou quase nenhuma alternativa parece eficiente para superar tantas emoções e sentimentos de desvalia e baixa estima. O que ignoramos no momento da fragilidade é o potencial que existe em cada ser, capaz de suplantar dores profundas e extinguir o sentimento de infelicidade. Nossa capacidade resiliente pode exceder a força da crise, assegurando-nos meios de ultrapassar as adversidades e sairmos fortalecidos, crescidos e mais capazes. Essa infinita força interior nos rege, abriga, defende e salva, lembremos dela ou não.

“Desarrumar a casa” pode ser absolutamente necessário para reconstruir caminhos. E embora a tendência imediatista exija pressa, convém lembrar que a parte mais delicada de toda construção é a fundação, pois deverá sustentar o edifício todo. Em outras palavras, crescer implica em calma, sabedoria para administrar as crises que são verdadeiros instrumentos dos processos evolutivos, porque a única coisa permanente em nossas vidas, é a impermanência.

Vale parar um pouco, silenciar internamente e espiar como é a reação diante dos momentos críticos, como lida com as dificuldades e gere meios eficazes para combatê-los. E quanto absorve de ensinamento consciente que permite fortalecer o sentimento de ganho pessoal, aumentando a auto-estima e reunindo novas alternativas para dar continuidade aos ciclos da vida, cujas “tormentas” sucedem para gerar as mudanças mais profundas.