27/08/2009

NÃO SE CONSTRÓI UMA VIDA COM AS MÃOS VAZIAS

Todo casal tem como premissa a construção da felicidade. A parceria. O companheirismo. Recrutam seus sonhos individuais àqueles em comum, e, juntos, projetam um futuro feliz. Somam o amor que sentem, as idealizações, carregam seu suprimento de aprendizado junto aos pertences pessoais, unificando o espaço físico pretendendo a comunhão de uma vida em conjunto. A chave do sucesso dessa construção, no entanto, que parece residir nesse apanhado de coisas, não está só na disposição de realizar sonhos, mas em todas as atitudes possíveis de angariar recursos para fazer acontecer o grandioso projeto de uma vida, apoiados um no outro, contando com o apoio e o empenho que cabe a cada um. Ambos são responsáveis, cada um na sua medida de comprometimento, pelo cumprimento destas ações que levarão adiante uma construção sólida, capaz de agüentar os reveses que a vida trouxer. Fortalecidos, capazes, companheiros, amantes e unidos.

Tanta idealização é possível de realizar? Depende. Cada casal desenvolve sua própria maneira de consolidar suas intenções, seus desejos íntimos de “dar certo”. Para construir essa realidade que busca a permanência de uma convivência harmoniosa, tem que ter presentes alguns componentes que permeiem essa construção: edificá-la sobre valores fortes e em comum - respeitando sobremaneira a bagagem individual que cada um trás de crenças, regras e valores, adaptando os aprendizados particulares aos novos projetos de casal - uma incessante determinação, o querer absoluto, a disposição para ajustar as velas enquanto navegam, respeitando a turbulência que encontrem, somando forças e sentimentos. O ânimo estabelece os passos a serem dados, recuando quando necessário e acelerando quando preciso. É o “chegar junto” nas decisões, incluindo a presença e as idéias do parceiro, a procura por soluções evitando disputas e depositação de “culpa”. Orquestrar essa construção e definir a consolidação dos desejos de ambos envolve maturidade, requer desenvolver na prática as teorias da boa convivência, boa vontade e boa disposição. O casal que descuida da constante atenção que pede um relacionamento corre o risco de ignorar as oportunidades e não aproveitar as discretas possibilidades que surjam, assim como frustrar-se por idealizar a perfeição do desempenho de seu par. O ônus é o enfraquecimento da união, uma vez que cumprir as tarefas diárias implica em erros, imperfeições e enganos involuntários, assim como naturais momentos de menor disposição e tentativas tímidas.

Não dá para entrar num relacionamento de mãos vazias, e isso quer dizer reunir um conjunto de ações efetivas que concretizem as promessas, lembrando que isoladamente não se constitui parceria, assim como exigência alta acerca do comportamento do outro não contribui para erguer esse edifício. É importante que os argumentos usados para negociar os passos que o casal terá de dar tenham componentes suficientes de verdade e intenções, para, juntos, alcançarem as metas desenhadas a quatro mãos e dois corações.

12/08/2009

CASAL & COMUNICAÇÃO

Para atender o interesse manifesto sobre casais, pensei em abordar um tema comum na clínica - a comunicação - e suas dificuldades quase sempre não percebidas pelo casal, me lembrei da crônica Tênis e Frescobol de Rubem Alves. Por ser extremamente apropriada, sua reflexão me empresta a exatidão do que abordar. O casal talvez precise somente de uma “prosa” para refletir e caminhar em direção das mudanças, como Rubem sugere quando faz uso da analogia da fala (prosa). Ao ‘brincar’ com as palavras na crônica, ele se refere a dois tipos de fala: a tipo tênis, cujo alvo é o outro, pretendendo reduzi-lo ao silêncio, ter razão, ganhar na argumentação, convencer. Mas sempre termina mal, porque a parte ‘vencedora’ fica feliz, enquanto para aquele que perde, sobra a raiva e o sentimento de impotência. No frescobol é muito diferente, porque a felicidade do jogo está justamente no estar acontecendo, registrando um prazer permanente, prolongando as delícias do estar junto. Não existem adversários, mas parceiros afinados, propensos a colaborar com a performance do outro.

Para o autor, são dois os tipos de casamento: os do tipo tênis e os do tipo frescobol. “Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.”

Rubem lembra que Nietzsche defendeu a idéia de que “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?’ Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.”

De igual forma ele cita a história de Xarazade, que também tinha conhecimento do poder da magia das palavras.

Alves pondera que existem os carinhos que se fazem com o corpo sim, porém, há os que se fazem com as palavras. “É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”.”

Ele ressalta que o jogo de tênis é um jogo feroz, que procura derrotar o adversário. “E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada” ou seja, fazer o corte na conversa, interromper o outro, derrotá-lo, deixá-lo fora de jogo.É a alegria de um e a tristeza do outro. Já no frescobol, para o jogo ser bom é necessário que ninguém perca. Se a bola chega torta o outro sabe que não foi de propósito e se empenha muito para devolvê-la de um jeito que o outro possa pegá-la. Não dificulta. Colabora. A bola do jogo são nossas fantasias, nossos sonhos contados sob a forma de palavras. E conversar é dividir com o outro esses sentimentos, tentar partilhar com harmonia. “Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada.” Porque no tênis o que se busca é ter a razão, e o que se ganha em troca é o distanciamento. Nesse jogo, quem ganha sempre perde. No frescobol é muito diferente: o sonho do outro é preservado, reconhecido como coisa delicada, do coração. Quem joga frescobol é bom ouvinte, e neste jogo o que cresce é o amor e os dois ganham.

Finalizo sinalizando meu desejo de que a opção pelo frescobol traga a harmonia, o equilíbrio e a felicidade que todos buscam nos relacionamentos. Reitero o que o autor salientou: o tênis é um jogo feroz, o frescobol envolve o cuidado com os sentimentos, os sonhos do outro. Os casais podem escolher gestar e parir um relacionamento feliz, e ainda que envolva a dificuldade na construção dessa configuração de comunicação ideal, é possível. E bonito de se viver!