04/05/2009

DESAPEGO

Pela ciência, apego é a relação estabelecida pela presença interativa com outra pessoa, desde a mais tenra infância, iniciando com a mãe. É o meio em que estamos inseridos que oferece a possibilidade de apegar-nos a alguém. Nessas relações vinculamos sentimentos, e estes, sustentam as relações. Quando a interação se dá com a mãe, o bebê desenvolve esse vínculo para garantir sua sobrevivência, pois depende de cuidados específicos para tal; lembrando que é uma base segura que resultará na saudável autonomia desse ser.

Se voltarmos o olhar para como se deram as formações vinculares desde a infância, compreenderemos na vida adulta como foi esse processo. Se não houve porosidade, que se entende como conflitos que deixam marcas nesse momento da vida em que se dá a formação de vínculo materno, a pessoa estabelecerá ao logo da vida vinculações emocionalmente saudáveis. No entanto, se nessa fase há porosidade, na vida adulta esse sujeito tenderá a ter dificuldade em mergulhar na satisfação, vivendo as alegrias de forma superficial, o que gera eterna busca onde nada parece satisfazer plenamente.

Tais pressupostos levam a uma conclusão: a forma como, em bebê, se estabeleceram os vínculos, é fator preponderante para o ‘formato’ de nossas relações futuras. Infelizmente o despreparo e a desinformação acerca do tema não colaboram com as mães sobre como poderiam desenvolver essa interação visando saudáveis relações futuras para aquele “serzinho” que amam tanto. No geral, é esse amor que acaba delineando suas ações levadas pelo mais pelo instinto.

Podemos concluir que construir apegos é, portanto, vital. Mas, e quanto ao processo de desenvolvimento e evolução humana, que implica no desapego necessário para seguir ultrapassando as fases da vida, superando os ciclos vitais?

Desapegar-se é deixar ir, é renunciar, romper laços, compor novos vínculos.

Rubem Alves lembra que “Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar.” Ter a consciência de que há finitude nas relações humanas é estar pronto para recomeçar a cada exigência da vida. Mesmo essa relação materna, tão visceralmente construída, tem seu término com o desprendimento da sua subordinação. É desapegar-se para crescer, para trilhar os caminhos sob o comando de seus desejos, numa trajetória que envolve coragem e novos vínculos.

O desapego transcende o medo, vai além do conformismo diante do temor das mudanças. Em outra instância, desapegar-se é sinônimo de coragem, revendo sonhos desfeitos, frustrações e impedimentos. É também dar permissão, a si e ao outro, de construir novas possibilidades. É ainda e principalmente, um gesto de grandeza e de maturidade que permite perceber que não houve porosidade na construção de apego nas relações afetivas na infância, pois se desapegar saudavelmente é escolher viver sem escravizar ou submeter a si mesmo ou ao outro.

No romance “A Escrava Isaura”, Bernardo Guimarães foi brilhante ao escrever: “O coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono.”

Cabe lembrar, no entanto, que o enfoque de apego neste nosso informal papo de consultório foi acerca das relações humanas no que se refere a sentimentos e laços afetivos; lembrando que o apego também reflete os mecanismos individuais de preservar bens materiais, conceitos, empregos, valores, arquétipos.

Temos todos o dom de rever, reconstruir, reformular e resignificar paradigmas. Manter aquilo que precisa ser modificado para garantir uma vida mais feliz, leva a uma única questão: a que preço?





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